quinta-feira, 9 de abril de 2009

Capítulo 1

A doce garota do Twitter

É provocativo, sensual, insinuante, o olhar assim meio de lado, mas ameaçador, daquela imagem. Uma foto que estampa o avatar no Twitter de uma garota que se diz blogueira e netmaníaca. Os meninos (Jack Dorsey, Evan Williams e Biz Stone) sabiam o que estavam fazendo, pois 140 caracteres é muito espaço quando o assunto é revelar algo de si. "Fui ao mercado, me senti uma celebridade, achei que todos estavam olhando pra mim" #eusouamina. Se o avatar serve de parâmetro para demonstrar como ela é na vida real, não será o Twitter tamanho motivador das atenções em sua direção. Tudo indicava que twittar dava-lhe a sensação, ou ilusão, de popularidade. Fui ver seus seguidores, quase 2.000. Número um tanto significativo em se tratando de Brasil naquele momento.

Às 16h30, o texto para a campanha de endo-marketing de uma das mais importantes redes hoteleiras do país já deveria estar pela metade. Nos últimos instantes eu não consegui fazer outra coisa a não ser ler tweet por tweet tudo o que a doce garota havia atualizado.

Antes, falemos de seu perfil, uma vez que os updates me consumiram outros tantos minutos. Ela se diz boba, feia e com cara de abóbora; salientava que não quer fazer amizades com outras pessoas e que os seus seguidores são apenas seus amigos. "Não me siga, não vou seguir você!". Encantadora atitude, eu diria. Louvável de agraciamentos por parte da mais fina flor da nata revolucionária atual. O código de ética do Twitter, da qual fui bastante alertado.

O que uma necessidade por quebra de regras não faz a um simples redator. Eu cá, pós-30 anos, tentando soturnamente conectar-me ao universo mais misterioso e fascinante das redes sociais. Imerso no submundo dos mensageiros imediatistas, no fluxo desenfreado de informações, na torturante massa de conteúdo relevante e inútil. Tudo isso, motivado por um avatar. Quer dizer, por uma foto. Ou melhor, por um olhar numa imagem 48x48, perto de 900 bytes.

Quando não acompanhava o Twitter, eu olhava pela janela do escritório e observava a cidade com toda sua grandeza descomunal composta de sua clássica e infinta concretude. Toda essa imensidão era um contraponto ao microcosmo na qual eu havia me instalado.

Não quis escrever o texto para a Agência, não quis comer, não quis sair de frente do computador. Ela havia me seduzido virtualmente. Não dentro de um contexto estritamente carnal-obsessivo, mas na ótica do ter algo a ser descoberto.

Vasculhei vários tweets, fiquei sabendo que ela mora com a mãe – o que por mais que eu insista não ser fator seletivo, interfere irrestritamente na minha avaliação geral –, trabalha como arquiteta num escritório de design – me controlo para não direcionar o comentário, mas as arquitetas são sinônimo de beleza –, vai para a casa à pé – se implica não possuir um carro, pode corresponder também a uma pessoa mais simples –, e adora uma cantora que já não me lembro o nome, pois nunca ouvir falar, fui até ao MySpace e considerei dispensável indicar tal maledicência sonora às demais cavidades auriculares.

Enfim, isso não vem ao caso e não faz a mínima diferença quando o que se está em questão é uma causa muito mais altiva e nobre. Não me fiz de rogado, buscar a compreensão de algo que está longe de meu próprio alcance, confesso, é um exercício exaustivo para o meu despreendimento intelectual. Mas são os desafios que nos movem e o marasmo que nos pregam. #xopreguissa.

Acionei com uma certa dose de histeria o refresh, quis saber mais. Nada. 4 hours ago from web, indicava sua última mensagem.

Desde os 18 anos, quando fui tomado por ataque descomunal de ciúmes de uma antiga namorada só porque ela conversava com o garotão da Faculdade, nunca mais havia sentido ou experimentado novamente um sentimento tão intenso de desespero. A minha convicção nessa altura era a de que, assim que ela aparecesse, eu logo arrumaria um jeito de manter algum tipo de contato. Puxar assunto.

A embriaguez virtual, a queda passional, ludibriar-se em vão, consumiram-me ao ponto de não checar se ela me seguia. Cliquei nos meus followers, não, ela não me seguia. Chequei o Gmail, através do search, para ver se ela já tinha me seguido e depois desistido, mas também não encontrei nada. Como ela deixou bem claro, estava ali para poucas amizades – tanto é que não seguia 100 pessoas em contrapartida aos seus milhares de seguidores. 21hs. É impossível passar incólume a uma enxurrada de mensagens na caixa de e-mail. Só então, dei-me conta das horas, do tempo, do texto. iPhone descarregado, offline no MSN, só no Twitter, apenas no Twitter.

A busca para me recompor e dar início à produção do trabalho publicitário levou-me ao Bloco de Notas. Pensei, nada. Usei novamente o search do Gmail, desta vez para encontrar o arquivo que a Agência me enviou com briefing, tema, público, prazo, cronograma e tudo mais. Mal abri o BrOffice, sim sou um adepto ao Open Source, para trabalhar no Word, a primeira imagem que me veio à cabeça fronte aquela página branca foi o avatar, o olhar da doce garota do Twitter.

Voltei para lá. Aberto na minha frente, milhares de links, de conversações, de contatos. “Fazendo um miojo, preparando a mesa e twittando” #corre. Apareceu! Era ela, meu Deus! Pensei que devia escrever alguma coisa, precisava me comunicar, digito... não digito. Mais uma vez me coloquei dentro da carcaça de um vitelo. Idiota, como um menino emergente da puberdade e dotado de toda a insegurança do planeta Terra.

Fui outra vez ao Bloco de Notas, rascunhei, rascunhei e nada. Impressionante como uma mente tão cheia de ideias, de conceitos e anseios, pode sofrer temoroso blecaute num momento único como este. Por fim, consegui exprimir em apenas 100 caracteres – não quis utilizar os outros 40, poderia passar a imagem de afobado – um resumo de tudo o que eu queria dizer para ela. “Tudo”, no sentido daquilo que eu considerava indispensável de ser dito num instante inicial.

No Twitter procuro o último update da garota. “Acabei de jantar, conversei com minha mãe vou dormir”. 10 minutes ago from TweetDeck, escancarava a temível legenda. O Twitter é assim, o timing é outro. Mais acelerado. Sempre distraído, o excesso de informações na internet sobrepõe até mesmo minha histórica incursão no campo da comunicação.

O que não tinha notado eram três novos seguidores a acrescer minha popularidade. Os manjados wares Jewel456 e Vicky98; e ela: a doce garota. Isso mesmo, ali em casa antes de dormir ela me viu. Provavelmente, pelo aplicativo, super-reduzido, mas me aceitou, deu-se bem com meu perfil, simpatizou-se comigo.

Nem mesmo a mais pérola das papoulas afegãs causaria um estado pleno, completo e onisciente de satisfação e anestesia. Fui longe. Imaginei-nos dividindo inúmeras situações. Nos seus tweets vi que ela participa de vários #NoB e #NoS, Nerds on Beer e Nerds on Show, respectivamente, além de todos os #lulucamps da cidade. Diga-se de passagem Curitiba, é lá que ela mora.

Vislumbrei que o tempo nos deixaria, enfim, unidos. Ela, na condição de minha seguidora, não tardaria em me chamar para um encontro desses. Profissional competente que é, para ser assim formadora de opinião e tão popular no Twitter, com certeza seria convidada a organizar um evento desses num lugar mais acalorado do que a capital paranaense. Nada demais, pensei na nossa maravilhosa São Sebastião do Rio de Janeiro.

O roteiro: ela pede sugestões para o evento, pois não conhece muito a cidade. Eu, intrometido por demais, dou algumas dicas. Ela agradece e me convida a participar como colaborador, já que se trata de uma reunião de mulheres. Digo que não vou pois não me sentiria bem ficar num lugar onde não conheço ninguém e que é direcionado para outro público. Ela se comove e diz que eu não me preocupe com isso, ela cuidará de tudo e que posso ajudá-la bastante. Depois, um chopp com o seu grupo na orla de Copacabana, Ipanema ou Leblon. No evento sou sério e recatado; na choperia, conto piadas, falo minhas teorias sobre a internet, mostro o quanto sou um bom profissional e entendedor das coisas. Ao retornar e abrir o Twitter, vejo ela dizendo que a melhor do evento foi ter me conhecido, que sou uma graça, além de muito educado e sedutor. Aí, sigo todos os seus nhén-nhén-nhén com suas amigas. E sou o seu principal assunto.

Enfim, agora que ela me seguia poderia acontecer mil coisas.

Seus tweets não desagarraram-se de minha memória. Sim, eu entendi o que ela quis dizer com se sentir uma celebridade. Fui ao Café, antes é claro avisei no Twitter que iria, e chegando lá tive a mesma impressão: a de que todos estavam olhando pra mim, de que era conhecido.

Espalhou-se no ar a sensação de que o mundo da mercadoria dominava, com uma força bem maior do que a descrita por Debórd, tudo o que é vivido. A cocaína acabava de perder o seu lugar entre as drogas de glamour, que dão poder e status, bem como acesso às mais lindas garotas. Arrematar uma groupie estava feito. Além de anestesiado, a chinfra se complementava com um capucino na mão. Não tinha mais para ninguém, a onda agora era o Twitter. #semnocao.

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