quinta-feira, 9 de abril de 2009

Capítulo 2

Shaq O'Neil

A volta para a casa, tarde da noite, e na fissura para twittar, teve como desfecho o encontro com minha esposa irritada e literalmente portando um maciço pau-de-macarrão em riste na mão direita. Eu poderia ser reprimido pelo uso de bebida alcoólica, mas como não tenho esse hábito, a oratória recaiu sobre a xícara de café. Assim como as mulheres dos aficionados pelo álcool, imagino eu, a minha também tinha razão. Não deveria ter ingerido a bebida. Consumi-la após às 18hs é investir na insônia, ela me conhece, sabe disso. O pior é que eu também sei, mas por um momento fui outra pessoa. Não tive justificativa, calei-me.

Ao fritar de um lado para o outro na cama me dei conta do ocorrido. Eu estava há poucos dias imerso no Twitter. Não fiz o texto para a Agência, esqueci-me até mesmo da minha própria família. Por outro lado, nunca havia me envolvido num trabalho tão desafiante. Mesmo com sono, o corpo baleado, eu queria ir para o computador, procurar por alguma coisa no Twitter. E procurar por ela. De repente, pensei melhor. Não podia estar acontecendo isso. Lembrei-me dos amigos jornalistas que se envolveram com as pessoas entrevistadas. Sempre terminava em algum problema, quando não em casamento #barraco. Eu não precisava disso, era loucura.

Os ônibus voltaram a circular, o sono deu ar da graça.

Ao acordar, mal tomei café e liguei o notebook. Procuro, procuro e nada. Fui nas DMs, pois sempre que alguém me segue, mando uma mensagem de agradecimento e digo estar aberto para troca de ideias ou informações. Nada. Fui para o escritório e entrei na mesma rotina de solidão e de abraço ao mundo. Carregando uma pesada rebordosa. Há mais de uma semana eu twittava sem parar. E queria mais, muito mais. #socialdeboa.

É inegável que há dois dias, tudo mudou com a aproximação da doce garota. Inclusive, naquele momento a minha expectativa em relação ao “dia seguinte” era angustiante. Pela primeira vez, depois de muitos e muitos anos, tornaria-se realidade aquela sensação imatura e juvenil de poder acompanhar, com contemplação e deslumbre, o desdobrar de um dia na vida da pessoa desejada.

Experimentei um pouco disso em seus tweets anteriores, sempre transparentes quanto aos seus instantes de humor, ao que havia ingerido antes de rumar ao trabalho, aos registros de suas impressões no trânsito e, por fim, ao clima astral dentro da sua empresa.

Depois, ela ia, aos poucos, dando pitacos em relação às suas tarefas, relatava modestamente a forma como as pessoas ao seu redor estavam se comportando, às vezes criticava, às vezes elogiava; abria suas particularidades em códigos como TDB (acredito que a tradução, pelo teor das mensagens, seja algo próximo de “Tudo de Bom”), NST (provavelmente, “Não se Toca”) e ENM (ao que tudo indica, “Eu Não Mereço”). Isso tudo, configurado às teclas <, >, §, *, ~ e /. Reproduzir a íntegra de tais diálogos não faz o menor sentido, pois serve apenas como preenchimento de espaços em branco – não se entende patavinas o que as misteriosas amigas estão a conversar. Tem se, com isso, uma humilde certeza: são fuxicos de mulher.

Quanto à indicação de links, ela se restringia aos assuntos pertinentes à Arquitetura, dicas de entretenimento – eu diria coisas típicas dos anos 90 –, divulgação de promoções que envolviam produtos de decoração, gadgets e vestuário feminino. Selecionava sempre um Kool and the Gang, Coldplay ou Vanessa da Matta, no Blip.fm. #euouco.

De volta ao meu desespero particular, maior ansiedade não se via, já se passavam das 10hs. Twittava daqui, twittava dali. Estranhei muito a ausência da garota, fucei no ninho do passarinho e cliquei num link twittado por @mashable – um dos pop-stars da ferramenta em terras do Tio Sam.

Fui encaminhado para o blog de Jesse Bearden, onde uma história muito interessante havia sido publicada aparentemente imune de qualquer cepa marqueteira. Bearden tem pouco mais de 100 seguidores no Twitter, e não segue mais do que cinco dezenas deles. Seu blog é um espaço de conteúdo pessoal, inclusive, com todos os padrões de usabilidade, calcados em uma arquitetura de informação simples e básica. Trabalha num escritório na cidade de Phoenix, no Arizona.

O post foi intitulado com algo próximo a “Finalmente, o Twitter serve para alguma coisa”. Ele diz que seu amigo Sean um dia comentou pelo micro-blogging que estava sendo seguido por Shaquille O'Neil, o famoso jogador de basquete do Phoenix Suns. Bearden questiona se não seria um moleque branquelo de 14 anos, tipo um emo-nerd da web, se passando pelo astro para se divertir e ganhar atenção no Twitter. Sean diz acreditar que se trata realmente de O'Neil. Ele tem familiaridade com o assunto. Os amigos discutem sobre o jogador diariamente, comentando sobre as possíveis negociações para o Cleveland.

Sean então avisa @jessebearden que @THE_REAL_SHAQ estava, de acordo com uma recente twittada, numa lanchonete há 20 minutos de distância. Os dois correm para o Dinner. Chegando lá, olham no estacionamento para ver se o veículo, que dizem ser o que O'Neil circulava pela cidade, estava no local. Ao entrar na lanchonete, começam a observar as pessoas na tentativa de identificar o astro. Dão de cara com o brutamontes, mas preferem sentar perto dele antes de decidir quem iria encarar a fera. “Vai você”, diz Bearden. “Não, vocé é que vai”, responde Sean. Então, ensaiam o que perguntar e como puxar conversa, se a partir do esporte ou do Twitter. Eis que soa o iPhone de Sean, é uma nova twittada de O'Neil. “Sinto twitteres ao meu lado. Se tem algum aqui na lanchonete, diga alguma coisa”. A dúvida deixou de pairar sob ambas as cabeças, a dupla suspira fundo e vai ao encontro do jogador.

O'Neil foi simpático e receptivo, tirou fotos, conversou com os fãs, e depois interagiu, através do Twitter, com o fato ocorrido, alertando que se alguém o encontrasse em público que viesse cumprimentá-lo, pois afinal de contas “todos somos a Twittosfera, estamos todos conectados”.

Tal acaso rendeu post no meu blog também, parei para traduzir o texto e tecer meus comentários, pois àquela altura era formidável ouvir uma história tão positiva e frutífera em se tratando do comunicador The Flash.

“Hoje acordei mal, acho que estou gripada, não trabalho até as 12hs”, #decama. Emerge dos campos áureos e azuis um tweet da garota.

Passou quase que despercebido, foi leitura dinâmica, estava ainda preso à @THE_REAL_SHAQ. Nesse momento de insensatez, me vem, na sequência, o uptade da @madameboo. Era a indicação para a página no Flickr de um fotógrafo. Muito bom, por sinal. Não me lembrava mais, com o número de followings e followers sempre crescente, quem era a tal Madame, fui verificar. Blogueira e DJ na noite paulistana resumiam seu perfil. Vou para o blog e vejo algumas fotos bem diferentes do seu avatar – que é uma fada bem delicada. Madame curte realmente a noite, é daquelas mulheres fortes, não tão obesas, mas acima do peso, desfila um quê de masculinidade e veste-se de preto sem muito apreço à luxúria ou vaidade. Está sempre ao lado de outras mulheres ou então de homens adeptos à estética DragNight. Quase todos os seus posts resumiam-se a ações anti-meridium, com as tags sex, dj, xxx e boo. “Na Pedroso, mas atenta ao movimento. Quanta bagunça!”. Ora, assim que terminei por vasculhar parte da intimidade da nossa querida @madameboo, fico a ruminar se a tal Pedroso a qual ela se referiu não seria a rua Pedroso de Morais, em Pinheiros, onde está meu escritório. Olho pela janela, trânsito caótico, ela tinha toda a razão, uma anarquia. Contudo, além dos estrobos extravagantes dos carros de Polícia, em plena manhã, ali estacionados na esquina, não se distinguia mais nada. #treta.

“Como tem gente estúpida. Fecha os outros e reclama de ser fechado. Homens...”. Ao ler esse tweet fiquei um pouco impressionado. Segundos antes um carro arrancou e depois freou, houve troca de palavrões entre os motoristas, tudo isso bem embaixo da minha janela. Esta é a verdadeira coincidência onde proferimos o tradicional colóquio de que, se contar, ninguém acredita. Em instantes um abestalhado, apressadinho, faz uma manobra errônea e o que se ouve é um enorme estrondo vindo da rua. Levei um susto muito grande que me fez jogar a cadeira para trás e saltar automaticamente em pé na direção da janela. É, um infeliz havia feito bastante estrago. Não só acertou dois carros na rua, como pegou mais dois estacionados e parte da banca de revistas – que acabou servindo-lhe de guard rail. A multidão formou-se em instantes e a Polícia só teve o trabalho de atravessar a rua. “Opa... não acredito, um puta acidente na minha frente Q loko!”. Pode parecer inacreditável: acabar de ler um post sobre a história do Shaquille O'Neil e o Twitter, num encontro a altura de “The Big Fish”, e vivenciar logo em seguida um caso semelhante.

Desci às pressas, quase pulando as escadas – estou no segundo andar – não quis esperar o elevador. Na rua, me controlei, diminui o passo e comecei a observar com minúcia quem poderia ser a verdadeira @madameboo. Pelo nome e as fotos publicadas no blog, a associação mais pertinente era com figuras como a MaryMoon, sei lá acho que pela fonética do seu nick também. #names=.

Sem a intenção de me aproximar do carro acidentado, porque lá em pedaços ainda se encontrava o motorista – os Bombeiros ainda não haviam chegado –, intercalo erguidas de pescoço com olhadelas ao iPhone. Muita gente parecida com a Madame, muita gente diferente. A Polícia colocando ordem no pedaço, o povo fazendo cara de calafrio e a buzina comendo solta de dentro dos automóveis presos ao congestionamento. Chegam os Bombeiros, logo o motorista é retirado das ferragens, a Polícia consegue controlar melhor o tumulto e o iPhone mostra um novo tweet de @madameboo. “OMG cara não se deu bem, vou mandar umas fotos no Twitpic”. Olhei de um lado para outro, ninguém de telefone na mão, onde ela poderia estar?

De repente, percebo que apenas uma pessoa digitava freneticamente num BlackBerry: a sargento da Polícia. Ela estava na porta do passageiro em pé do lado de fora e mexia aceleradamente no seu aparelho mobile. Esperei alguns minutos e lá apareceu o tweet. Half time ago from berrymobile.

Que surpresa! @madameboo era policial. Não houve qualquer chance de me atrever a abordá-la para falar de nossa amizade no Twitter, pensei que ninguém, ou quase ninguém, deva saber que ela é uma pessoa da noite dentro da corporação. #cagueta. No entanto, não poderia perder a oportunidade de checar realmente de perto se Madame e policial eram a mesma pessoa. Com toda diplomacia do mundo, fiz as devidas apresentações, apontei para o meu escritório e questionei sobre o ocorrido, alegando ter me desequilibrado emocionalmente, por estar concentrado no trabalho, no momento do horrendo acidente. Ela limitou-se a dizer o que eu já sabia, que um motorista perdeu a direção abalroou dois automóveis em movimento e dois estacionados, indo chocar-se contra a banca de revistas localizada na esquina com a rua Teodoro de Sampaio. Enquanto ela ditava o boletim de ocorrência eu mirava seu BlackBerry sobre o painel da viatura. A luz brilhou, ela usava o aplicativo TwitterBerry 6.0.

Volto para o meu escritório com a cabeça confusa, não sabia se escrevia outro post contando essa história. Como já havia publicado a do Shaq O'Neil, poderia parecer balela. Mesmo sem ter muitos leitores não considero ético apagar o post anterior para sobrepor este.

O tweet ia fazer sucesso, era só indicar o link para o TwitPic onde a sargento colocou duas imagens do acidente (apesar de chocantes, ela poupou a integridade do infeliz). Por outro lado, não gostaria de me comprometer negativamente com a Polícia. “Nada pior do que chatos t perguntando depois o q aconteceu.. :S”. #boo. Pressentimentos não são em vão.

Contudo, fique tranqüila sargento Carla, não conto seu segredo pra ninguém. Agora, se eu fosse você eu não confiava muito em sigilo na web. Uma hora dessas, a exemplo da Demi Moore, alguém expõe a sua privacidade. #prontocontei.

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