quinta-feira, 9 de abril de 2009

Capítulo 10

Welcome to the Twitter

Ainda no banho o telefone toca. É a empresa. Depois de ler um resumo que fiz sobre o trabalho, eles fizeram suas considerações, apontaram os erros e acertos e estavam me encaminhando o pedido de correção e conclusão do job. Tomei café às pressas e sai para o escritório. Tirando os dias de macacoas, foi exatamente um mês de Twitter, talvez, num dos períodos mais interessantes da plataforma, pois envolveu o seu auge no meio geek, depois a sua ascensão na mídia de massa e, por fim, a sua paulatina consolidação – que está em curso neste exato momento (principalmente, depois do tal script dos milhões do Danilo Salles). Os relatórios estão bem abastecidos e para uma empresa que há 30 dias estava mais próxima de um cego em tiroteio, informações concisas não faltam.

Dar cabo ao fim do projeto, foi uma missão que consumiu dois dias de concentração e dedicação exclusiva. Fiquei afastado do Twitter nesse tempo.

Já querendo me comportar como usuário e não como profissional, deixo apps de lado, e vou disparando manualmente um ou outro tweet. Consulto replies e DMs, respondo e sigo em frente. Tranquilo, volto às tarefas diárias e normais: supermercado, padaria, lavanderia, restaurante...

No domingo, depois do Globo Esporte, vou conversar com os passarinhos. Foi, então, que me defronto com a mensagem. “#lulucampArq !!! Sensacional + fotos (migre.me)”. Vou ao TwitPic e vejo o tal #lulucamp. A iniciativa resumiu-se a um encontro numa casa patrocinada por marcas ligadas aos setor de decoração e construção civil. Aconteceu palestras, degustações e mostra dos produtos.

Fiz um search na tag do evento. Mulher não é fácil, a doce garota descreveu toda a organização do encontro pelo Twitter e não poupou nem mesmos às críticas ferinas a determinadas participantes. “Foi bom, nos divertimos muito e conhecemos pessoas legais”, “Conversamos sobre Arq e Twitter”. Em seguida: “Mas tem cada pessoinha. Não dei nem papo”, “Gente baixa, classe ralé, quer ser chique”. E os replies da melhor amiga: “Não dá para misturar, né?”, “Tem que selecionar melhor da próxima vez”.

Lendo tais comentários, voltei ao TwitPic para olhar as fotos. Pelo que eu pude entender, das 30 mulheres que compareceram, quatro eram bem diferentes. Todas estavam elegantéssimas, bronzeadas, cabelos brilhantes e sedosos, e mesmo uma idade maior aqui, ou uma gordurinha a mais ali, não encobriam o charme e a beleza que elas transbordavam – principalmente, através de sorrisos. No entanto, quatro delas aparentavam outro padrão.

Eram duas mulatas, uma morena e uma branca. Elas estavam bonitas, bem-vestidas e bem-arrumadas, mas se diferenciavam das demais quanto ao estilo de suas roupas, bijuterias e maquiagens. Mostravam-se nitidamente serem mais simples, só isso. Nas oito fotos, sejam pousadas ou de interação, elas estavam uma ao lado da outra, sempre juntas, em um grupo. Procurei saber seus nicks no Twitter e, por incrível, que pareça não achei. A doce garota subsidiou as legendas apenas com dados das outras 26, contando ela própria. Quem eram aquelas quatro? Não consegui saber. Inclusive, fui no Twitter e no TwitPic das outras participantes, nenhuma delas publicou uma foto que seja – a não ser de fundo ou raspão – com as quatro, ou qualquer uma delas, presente. Fiquei atônito, mas não quis colocar em pauta qualquer julgamento. Conheço meu senso de justiça, se aquela garota havia praticado tamanha descriminação, eu ficaria muito injuriado com ela e, provavelmente, duas vezes mais comigo. Quer dizer que você faz um evento, pede ajuda na internet, fica falando nisso o tempo todo, usando um pá-pá-pá danado, cheia de guéri-guéri, recebe o contato dos participantes e depois desdenha certas pessoas que participaram só porque elas são de uma classe social intitulada inferior? Não dá pra acreditar que era isso que eu estava presenciando.

Preferi desligar o computador a ficar ali. Fui dar uma volta, visitar sebos, sorver um cafezinho de coador na Dona Li, mandar umas baforadas na pracinha em frente à FNAC. Feliz, se pudesse estaria em família, como uma pessoa totalmente normal.

Início de semana, mil telefonemas, problemas, contas, e o tempo passa naquela velocidade furiosa e intempestiva. O nome que se dá ao efeito não me interessa, mas a forma como as coisas acontecem e as informações se cruzam nos deixa tonto só de querer entender. No Twitter, alguém – vejam como o entusiasmo de uma pessoa normal é diferente de um profissional – twittou um link chamado “Bem-vindo à Internet”. Fui para a página do Gardenal – Coletivo de jornalistas, escritores e artistas. E o post “Jornalista preguiçoso aprende como a internet funciona”, não recente, mas do dia 5 de fevereiro, dizia o seguinte:

Pesquei essa thread no fórum do Imdb:

Jornalista:

Hello everyone. I am a British journalist looking for fans of the 2008 movie ‘Donkey Punch’ to tell me why they like it so much for a UK magazine (BT VISION) which has national distribution. I know some of you must like this film…I need approximately 90 words of comment telling me what’s so good about the film, and your name, age, occupation and small photo to be featured alongside your quote if you would like to be featured.

Many thanksWolfy Jones

Usuário do fórum 1:

If you’re supposed to be a journalist, you write it. Don’t come here and expect people to do your work for free. Fuck, maybe if you paid me, but then I would just lie and pick out all the things I kinda liked and said they where awesome. Go to facebook, find some random dude, and just make shit up.

Jornalista

Somebody pointed out ( a little suspiciously) that I am asking for a lot from people without showing any credentials.If you google my name, Wolfy Jones, you will find examples of my work online. I have written for British broadsheets and national magazines in the UK, which should be evident from the search.Please assure yourselves this is no scam.

Outro usuário do fórum:

A Google search don’t mean anything, my name is Bill Gates, do a Google search and I’m sure you’ll find it.

Mais um usuário:

You can not be Bill Gates because I am Bill Gates. Please, don’t be Bill Gates when I am being Bill Gates. Thank you.
UK journalist, feel free to quote me on that. You are welcome.
Have you got a little bit of random internet rage my dear?

Ainda outro:

Yeah Wolfy, show us the money, or write your own fucking report, you lazy, scamming hack.
Like most of us haven’t got nothing better to do, than DO someone else’s work for them. Nice try though, you cheap cunt.
(PS: I read some of your articles and your writing is shit)

Último usuário:

Welcome to the internet Wolfy.

É Wolfy não se preocupe, falta-lhe solidariedade? Estamos juntos, somos dois desafortunados da década de 1920, enfiados no que resta de um cabaré, ouvindo um pré-Tom Waits, bebendo uísque e dando colo às putas. Ninguém gosta da gente. #chaves.

É claro que você é mais imbecil. Eu também levei uns safanões assim, mas foi preciso, pois estava a trabalho e tinha que reunir registros do que eu estava afirmando ou negando. Agora, você... Caramba, ficasse quieto no primeiro comentário e desse um jeito de se virar. Aliás, quer saber de uma coisa? Na verdade, essa garotada tem razão, você é um baita de um folgado #xarop. Concordo com o Usuário 1, você quer que as pessoas trabalhem de graça para você.

Deixei minha compaixão de lado com jornalista britânico. Até porque, não querendo generalizar, contar piada de gafe de jornalista é cair no óbvio, chutar cachorro morto. Não é de hoje que a profissão congrega uma lista de mal uso do ofício, do 4° poder, da tal Liberdade de Imprensa. Na web, não seria nem um pouco diferente.

Inclusive, em se tratando de comunicação o que mais me chamou a atenção no Twitter até agora não foi a imprensa, mas a propaganda, ou a falta dela. (São mais de 11hs, tenho obrigações, mas vou contornando tudo). Não estou falando em divulgar promoções no Twitter. Por exemplo, sorteio de ingressos para camarote vip no show da Madonna. Com Twitter ou sem Twitter, uma ação dessas tem sucesso em qualquer lugar #jesus. Não é o micro-blogging que vai ser o responsável direto em promovê-la. Sendo assim, o que é há de novo em propaganda no Twitter? #naomevenhacom#xtreme.

Pois bem, pesquisando meus favoritos do Twitter encontro duas ações: uma recente da Heineken, outra de 2008, da LG celular. A cervejaria holandesa enviou para blogueiros e formadores de opinião um globo espelhado contendo um barril de 5L da cerveja. Apesar de amplamente propagada pela blogosfera, tomei conhecimento da ação pelo Twitter. Por volta do dia 22/23 de março, não paravam os tweets sobre o tal barril. Uma avalanche digna de #horadoplaneta. E as frases que mais se viu foram “Eu não acredito!”, “Eu não acreditei!”, “Eu não estou acreditando!...

Enfim, depois de tantos “Eu não acredito”, eu realmente acredito que a Heineken deva ter mandado junto com o brinde um roteiro da maneira como os blogueiros deveriam se comportar: “Vá ao Twitter e diga: Eu não acredito! + link para o seu post + post dizendo como foi o seu encontro com o brinde”. Eu procurei um blogueiro que tivesse devolvido o brinde, não achei. Encontrei, inclusive, um dizendo que a mãe ensinou-lhe: presente não se devolve. Nenhum blogueiro, pelo menos não vi, fez uma pesquisa de quanto custou essa peça por unidade e discutiu se aquilo estava compatível com seus princípios, vender um post por aproximadamente x reais. Aliás, além de vender um post, twittar, viralizar na internet e incrementar a marca se rolasse uma entrevista de quebra – assessoria de imprensa. Mas se alguém neste exato instante estiver se perguntando: se a Heineken gastou pouco, fez uma ação muito eficiente e conseguiu unificar um discurso, a campanha não foi um sucesso?

Não quero ser do contra, mas o que está em jogo não é inovações em marketing focado em branding? De acordo com o blog Adivertido esta ação foi parte de uma campanha maior com “anúncios que vinham com porta copos destacáveis e outros que foram distribuídos com pulseiras removíveis, semelhantes às usadas em áreas Vips de baladas”. O blog comentou também o lançamento do aplicativo – qualificado pelo blogueiro como “super útil e funcional” – para iPhone “que informa localidades próximas a você, onde pode ser encontrado cervejas da marca, entre outras funções bem legais.” #jabacore.

Onde está o: “UAU! Que ideia?”

Sou consumidor ávido de Heineken. Sem despeito, esperava mais. Não me despertou aquela coisa da magia, do “Nossa! Como a Fischer America pensou nisso!”. Sinceramente, EU NÃO ACREDITO.

A LG Celular não ficou atrás. Com a história da Heineken, o “Safári Urbano” em 2008 para promover um novo modelo de celular voltou à tona através dos tweets de @rafaelziggy. O link vai para o seu blog, o SimViral, onde ele explica – num post de abril do ano passado – que a ação reuniu blogueiros e flickers. “A idéia foi fazer os participantes testarem todas as funcionalidades do celular em um tour inusitado por São Paulo.” Ainda segundo @rafaelziggy, quem estava lá:

Do lado dos blogueiros Edney Souza, Fred, Ian Black, Guilherme Valadares, Thiago Mobilon, Gilberto Knuttz, Daniel Soares, Marisa Toma, Marco Gomes, Nick Ellis, Lalai, Juliana Alves, Marcos Donizetti, Cacau Calazans (obrigado pela foto) e Felipe. Já os flickers foram representados por Rodrigo Paoletti, Arthur Soares, Daniel Mitsuo, Grace Oda, Leonardo Matsuda e Murilo Cardoso.

O roteiro foi o seguinte: passeio de helicóptero, jogo do São Paulo no Morumbi, 5 sorteados para bater penalti no intervalo do jogo e Bar da Brahma com petiscos e chopps por conta da LG. Ao final de tudo isso, cada um ganhou o celular que eles passaram o dia todo experimentando.

Então vamos lá, qual é o contraponto dessa situação? Alternativas viáveis e construtivas? Não. Após essas ações, assim que vão para o ciberespaço, começam as discussões. Quem não é contemplado reclama ou elogia; quem é, só elogia. Existe agora uma super-defesa, desenterram Cícero para esses embates, a favor dos blogueiros e twitteiros, no sentido de abrandar os acordos comerciais que crescem assustadoramente nos últimos anos #caradepau.

Cerveja, futebol e... Só faltou. Mas cá com meus botões eu penso. Porque as agências não exploram a tecnologia e o branding tocando no coração das pessoas? Muito melhor do que um barril de 5 L de cerveja seria a Heineken ter desenvolvido uma ação que trouxesse algum resultado efetivo para a esfera digital no Brasil #original. Se é para ser um jogo, porque não explorar o ciberespaço com algo mais criativo? Temos aí cineastas, teatrólogos, cientistas, artesãos, uma gama de pessoas que produzem algo realmente “de peso” e precisando de total apoio através desses meios.

Integre as plataformas colaborativas num projeto como esse, implemente mash-ups a torto e direita e aí, sim, veremos algo sustentável. Eu quero beber uma cerveja que seja honesta, que me envolva numa campanha séria e que me faça fazer parte de algo que seja realmente útil #serhumano. O mesmo posicionamento vale para a LG. Com tantas funcionalidades para um comunicador (telefone) e um equipamento de imagem (câmera fotográfica) o “Safari” visita o Morumbi e o Bar Brahma?

Buzz até onde estudei, leio e releio até hoje é gerar boca-a-boca. Sendo assim, o sucesso de uma ação nesses parâmetros, ao meu entender, deve ser medido a partir da conversação em volume e a longo prazo. Essa manutenção – amarrar o consumidor à campanha – só é possível tocando no emocional, fazendo a pessoa chorar, seja de compaixão, felicidade ou euforia. Quer uma campanha bem sucedida no Twitter? É preciso que depois de executada você ouça “há meses não se fala em outra coisa. E a cada dia, é uma coisa nova”.

Tarde para o almoço, vou pegar a sobra quase às 15hs. Volto e quando olho no Twitter, vejo na lata, sem remorso, mais fotos do #lulucampArq. Nem um comentário, nenhuma menção às quatro mulheres não-identificadas. Entro pela primeira vez no blog da garota.

De cunho pessoal, ela publica ideias, segredos e coisas como frases bem legais. Cheguei a ver o blog antes, só não parei pra ler. Engraçado a persuasão que um avatar me fez. A doce garota não era tão linda assim como eu imaginava. Na verdade, pelas imagens do #lulucamp era outra pessoa. As fotos do blog mostraram um mulher com a pele um pouco mais escura, com os olhos levemente puxados e uma boca pequena e um nariz bem grande. Agora, entendi o avatar. Ela se escondia como uma gueixa atrás do seu livro de cabeceira porque tinha trauma do seu nariz. #cyranodeBergerac. Pelos relatos, depois cruzei informações no Twitter, ela era de classe média alta em Curitiba. Divorciada, viveu no Rio por pouco tempo com o ex-marido. Arquiteta geek, liderava o grupo de profissionais na capital paranaense que lidavam com inovações tecnológicas. Organizadora do #lulucampArq elogiou a si mesma, falou muito bem do evento e destacou o caráter tweet do encontro. Não deixou, porém, de salientar o “ocorrido”. Das 15 convidadas da cidade maravilhosa, quatro eram desconhecidas e, identificadas como estudantes da Universidade Estácio de Sá, foram aceitas sem ressalvas – ao que tudo indica, a doce garota quis fazer volume. Moravam, no entanto, no Méier, eram alunas de uma ONG que trabalhava decoração e tecnologia em localidades desfavorecidas. Pelo jeito, estavam super satisfeitas de participar, mas a organizadora foi maldosa. Não divulgou o nome das participantes, teceu comentários preconceituosos e absurdos, além de colocar em pauta a discussão de como melhorar a segurança dos #lulucamp. Tudo isso, na maior diplomacia e certeza de que não fazia nada de errado, pelo contrário, de que – com a assertiva de seus contatos no Twitter – deveria ser um exemplo a seguir.

Quase coloquei o almoço para fora. Tive nojo da doce garota. Aliás, doce nada. Perdi o encanto. Ela não passava de uma pessoa mesquinha, sem caráter, superficial e que exercita o que o espírito burguês tem de pior. Lição, era isso o que eu extraía do Twitter, um verdadeira lição. Nessa armadilha de rede social, não caio mais #saotome.

Portanto, esquecemo-nos da questão pessoal e nos atentemos ao caráter da propaganda que, pessoalmente, agora é o que me interessa. E o #lulucampArq? Depois comecei a pensar no evento e voltei cruzar os tweets novamente. Fico sabendo que as marcas, três grandes, bancaram tudo. Apesar de tudo muito bonito – com arquitetura e decoração não poderia ser diferente –, e de ter sido mobilizado todo via Twitter, mais uma vez nada de novo. Além do que mais três marcas que queimaram o filme comigo e acredito que, provavelmente, com muita gente de coração que acompanhou, e acompanha, esses fatos. Marca é igual a fogo, com ela não se brinca.

Yeh, Baby! Welcome to the Twitter. #nologo #maldicao.

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