quinta-feira, 9 de abril de 2009

Capítulo 4

Linnet Woods

A coisa vai acontecendo de uma tal maneira no Twitter quando estamos submersos em suas ondas, baleiando de um lado para o outro, que perdemos, no início, um pouco o controle sobre os nossos limites. É preciso dar conta de todos os links e pessoas que não cessam de aparecer a cada atualização na página do micro-blogging. A fixação pela doce garota me fez muito bem. Pude suportar o pesar de navegar durante horas e horas por uma mar vasto e sem fim. Talvez, não fosse aquele olhar maroto e encantador, profundo, com um sorriso coberto pelo seu livro de cabeceira, certamente não conseguiria sobreviver à nau. Pediria arrego e desembarcaria no primeiro porto que ancorássemos.

Eu resolvi cortar relações com ela. Sou temperamental e egoísta, não gostaria de dividi-la com ninguém. A história que twittou sobre os beijos que deu no #churrascamp me deixou arrasado. Por isso, suas atualizações não me interessavam mais, nem tampouco as de A ou B. Em outro dia quente, a cidade fervia como um caldeirão sobre o fogo em brasa, dentro do meu escritório tudo derretia, sem ar condicionado e com um ventilador às minguas fazendo ares mequetrefes.

Ainda que aborrecido não deixava de receber novos followers em razão das ações que haviam sido executadas com esse objetivo. Um deles foi a senhora @linnetwoods. Bom pelo menos foi assim que eu a percebi. Ela tem cara de vovozinha, mora na Ilhas Baleares, no Mar Mediterrâneo (Espanha), tem um site abarrotado de banners e links patrocinados – quase não se vê outra coisa, aliás, não se vê outra coisa – e vive a lançar suas questões através de Quiz entre seus seguidores. Eu resolvi segui-la ao vê-la presente também nas listas de followers que os gringos fazem.

Nos EUA, por exemplo, existe uma cultura escancarada e assumida de competitividade. A pessoa com mais followers é o mais popular, integra as listas de top isso e top aquilo, ao lado de personalidades consagradas. A ganância pelo sucesso, porém, não impede a solidariedade em auxiliar outras pessoas para que também sejam incentivadas a competir. Não deve-se esquecer, todavia, que os norte-americanos exageram no seus propósitos de marketing – com seus “Aprenda em 10 passos”, “Como fazer...”, “7 dicas para alcançar...” –, cobrando um US$ 1 pelo view de uma produção, muitas vezes caseira, a la ShopTour. Mas, falou em rede (net), o negócio é com eles mesmo. Vejam o @aplusk, mais de 700.000 seguidores.

Assistir às tranqueiras dos super marqueteiros não me rendi, mas responder @linnetwoods foi impossível conter-me. Propensão aos vícios ou, como diz o nosso baiano Tom Zé, o sofrimento de juventude. Em nossos momentos de fraqueza nos tornamos as pessoas mais dóceis, sujeitos a nos dobrar diante de situações que nunca chegaríamos a imaginar. Eu afirmo que responder ao Quiz seria uma delas. A senhora das questões me lembra uma tia velhinha, ela é um afago aos descaminhos de quem se encontra em debandada correria entre os vãos do mundo digital. Como um apostador – ávido pela literatura de Júlio Verne – convencido nos páreos do ciberespaço.

Ela pergunta: Are you ready? Explica que o Quiz está há poucos minutos de começar, alerta para que todos se preparem, então lança a contagem regressiva. “Faltam 3 minutos”, “faltam 2..”, “o Quiz já vai começar”.

A primeira questão que respondi foi boçal. “Qual o fruto originário da América do Sul que está presente na mesa do mundo inteiro?”. Fui certeiro: pimenta.

@linnetwoods, ao lançar a pergunta, faz outra contagem regressiva para o final das respostas. Assim que a disputa é encerrada, ela começa a publicar os resltados. Quem responde errado ganha 1 ponto, só pela participação; quem chega próximo, leva 2; e quem acerta ganha 5 pontos. Mas antes de anunciar os vencedores, a meiga vovó faz as congratulations aos demais participantes, aproveitando para divulgar seus @nomes – eu afirmo e reafirmo, a turma lá fora sabe vender o peixe.

Dois? Como assim dois? É lógico que é pimenta! O calor aumentava e todo aquele carinho, aquela sensação de segurança acabara de se transformar num ringue #valetudo. Eu tinha certeza, se a velhinha me viesse com esse papo de que não era a pimenta eu ia levá-la para o tatame. Fiz injúrias, maltratei-a pelo pensamento e não acreditava ter caído no conto do Quiz do Twitter #clown. Deus há de descarregar todas as penitências sobre o meu pobre ser, Ele com as suas vestes de Punidor, porque @linnetwoods tinha razão: eu errei. Duas pessoas acertaram o nome do fruto, o tomate. E ainda completaram que a origem do alimento era de dois países, Equador e Chile.

Pois bem, envergonhado, mais do que enervado, por ter desconfiado da querida vozinha com chapéu de caçadora de borboletas, parti para as demais fases. Assim, era o seu jogo. Ela começava sempre no mesmo horário chamando a atenção para o Quiz, fazia cinco perguntas, agradecia todos os participantes, premiava os acertadores com pontuações e realizava mais outras quatro rodadas. No final, divulgava o ranking de pontuação de todos os participantes. Apesar da idade, que aparenta ter, a vovó era ligeira. Eu participei da primeira etapa e quando dei por mim, ela já estava na quarta e última.

Fui nas questões B e E e pensei numa estratégia inimaginável para vencer às indagações de dona @linnetwoods. Abri em outra aba do browser a Wikipédia #fodao. Peito estufado, tarimba de capitão Nascimento, respondi às perguntas, sendo a primeira sobre uma tribo de Sumatra e a outra sobre o nome de um ex-presidente do EUA, no séc. XIX. Errei ambas. Deliberadamente, a casa caiu. @linnetwoods deu a rasteira no Jimmy Wales – Wales? Wales? Baleias? Hum. Ela é a verdadeira enciclopédia ambulante. Acontece que a Wikipédia leva a verbetes que não possuem conteúdo confiável. Do jeito que ela é, deve pesquisar esses tais verbetes no site colaborativo, e usá-los de propósito, sabendo que qualquer idiota vai recorrer justamente a este artifício.

É o cúmulo da virtualização: uma idosa com sobrenome britânico, de dentro do seu trailer, no Mar Mediterrâneo, cuidando dos seus gatos, twitta para o mundo inteiro um Quiz elaborado numa plataforma com espaço suficiente para 140 caracteres e composto de conteúdo muito mais significativo do que o da Wikipédia ou de outros resultados nos mecanismos de buscas.

Além disso, é perceptível que, sem fazer qualquer estardalhaço, @linnetwoods integra uma fração da sociedade que está, estes sim, revolucionando a web. São pessoas na chamada Melhor Idade. Cheios de histórias para contar, experiências para dividir e momentos para recordar. Adoram publicar e apreciar fotos, escrevem posts com freqüência e, agora, twittadas, tem um conteúdo rico e extenso, são inteligentes, educados e prestativos. E, sobretudo, estão na rede em busca de entretenimento sadio e real. Ela é fera, superando em alguns casos até mesmo o GoogleDad.

“Nem rolou... #bafao :p. O cara nem.” #naseca. “E a Vivo me liga cobrando, nem tenho conta lá...” #vivomenos.

Ambos reply para amiga (aquela confidencial) relatando o “hoje é outro dia, minha filha” #ehnois. Tudo isso, enquanto eu jogava a última partida com minha colega argüitiva. Não quero também fazer papel de carrasco, embora o momento seja de busca por concentração para executar com excelência o projeto em vias de realização. Estou a trabalhar. Me dei mal no Quiz e tenho que esquecer essa garota. Preciso rever certos valores. #followfriday.

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