quinta-feira, 9 de abril de 2009

Capítulo 5

Passarinho branco, fundo azul

Já se passaram mais de dez 10 dias desde que as atenções, esforços e ardores estavam direcionados único e exclusivamente para o Twitter. O cobertor não parava de encurtar e os pés e a cabeça já não eram mais protegidos simultaneamente. O acalento de um era o relento de outro. O corpo mal recuperado enfraquecia e insinuava um desgaste de uma categoria não salutar, porém, de indicativos não muito satisfatórios. O ditado popular nos leva a concluir ser a hora de colocar os pés no freio. #makelove.

Não estava assim tão chateado mais com a doce garota, ela tinha todo o direito de tomar as decisões dela, não me vejo convivendo com uma mulher sob dependência total. Até passar mal, ter uma estafa, ficar dois dias fora do ar é natural que ocorra com qualquer um. Eu acabava de sair de uma condição análoga, não poderia desdenhá-la por isso. Porém, o quão triste foi aquele retorno, toda empolgada com outrem. Mas já era passado e a descrença ao decano dia de labuta vinha de paragens desconhecidas.

Curioso é que – ao me ver convalescente – também despertou-me o aconchego do lar. Freudiano deveras, o recolhimento ao útero da casa. Uma tristeza profunda tomou conta de todo o universo circundo, o real e o virtual. Aquela angústia purgando no peito sem remédio que alivie o sentimento de masmorra a qual eu estava prestes a viver condenado #iancurtis. A bigorna da culpa caindo em direção à minha cabeça, sem que eu pudesse desviar ou ao menos fechar os olhos. A dor do erro, dos infortúnios. Oh! Fantasmas de todas as pessoas que eu havia reunido naquela rede até o momento, centenas deles. Pareciam que todos surgiam com a @ no lugar da cabeça indicando seus @nomes #zedocaixao. Senti-me irresponsável, o maior vagabundo, o representativo exemplar da inutilidade dentro da espécie humana. Não poderia ter trabalho idêntico que consolasse ou trouxesse o mínimo de satisfação a uma pessoa com os créditos que traduziam outra realidade que não a daquela plataforma.

Incorporou-me a pequenez #americansplendor. A incapacidade de aceitar um ambiente tão “insignificante”, mas ao mesmo tempo dotado de uma grandeza esplendorosa de onde uma ponte infinita e imensa nos separava existencialmente. Eu estava longe daquela realidade, era preciso aceitar. Cai em si e me vi loucamente seduzido por um avatar, com um link para um blog, que nunca li e não leio, e mais alguns tweets; metralhado por todo tipo de informação do Brasil e do exterior; ligado aos principais perfis em questão; massacrado por uma série de recusas e desmerecimentos por parte de alguns membros da esfera nacional.

Soma-se ao infortúnio o curso do meio caminho andado, depois de ter abandonado o job da Agência. A testa encontra-se em permanente esfola, o peso do crânio impossibilita colocar a cabeça em 90°. Me faz mal e és tão necessário, implacável Twitter! Quero de volta o estado de euforia, só mais uma vez, eu te suplico! Nem família, nem garota ou popularidade, só um estado de euforia, apenas mais uma vez. Num tweet, é claro.

Eis que de refresh @netopw está me seguindo. Atendendo aos bons costumes com as quais não deixo de me precaver, mesmo em pós-enfermidade, passei a segui-lo também deixando o recado de boas-vindas e tudo mais. Afinal, era um brasileiro.

Dele posso dizer pouco pois não tinha site, sua descrição no perfil dizia ser um especialista em Economia – as redes sociais são assim, tem sempre uma turma de profissionais que tomam conta mesmo. “Oiii gente, estou super feliz por estar aqui! Valeu amigos”. É engraçado, ao iniciar no Twitter, eu também não tinha ideia do que escrever, de como começar, fiquei alguns dias olhando timidamente um ou outro perfil, só pra ver como era. E não adiantava perguntar nada pra qualquer um deles porque a chacota era inevitável.

“Assistindo leilão de gado, a vaca tá saindo por R$ 45 mil em 14x!”. Redigiu, sem utilizar os 140 caracteres.

Pow! Situações assim são inesperadas e nos remetem a uma introspecção imediata. Em momentos de bancarrota moral (ou espiritual, existencial...) surgem conexões fora do premeditado. Havia uma particularidade muito forte naquele tweet, em razão de existir uma dedicação pessoal de longos anos à específica atividade compreendida no comentário.

Acontece que, nos certames de bovinos de elite, transitei pelos bastidores da comunicação e política, antes de optar definitivamente pelo webwriting #blablabla.

Durante alguns segundos tentei por magnânimo embate me desvencilhar da carapaça profissional e voltar à rude condição de ser humano comum sob juízo da pura e insustentável ingenuidade. @netopw zombou da minha armadura de lata. Não imaginava encontrar no exercício do Twitter, pelo menos num instante inicial, alguma coisa relacionada com esse passado. Trata-se de um segmento muito específico e num ambiente de extremidades parecia-me atordoante ter que aceitar mais esta onipresença. Nesse sentido, a reflexão que brotava das entranhas do meu cerebelo era a de que a divisão entre a linha tênue do pessoal e profissional permanecia embaçada.

Assim como não era prudente envolver-me emocionalmente com a doce garota, ainda não sabia até que ponto era confiável estabelecer um diálogo amigável com uma pessoa que se identificava tão somente com o meu histórico curricular.

“Lendo Peter Drucker e arrepiando com o preço no leilão”. É muito apelativo, tasquei um reply explicando como funcionava aquela modalidade de vendas, como o evento terminaria e porque o preço era aquele valor. A resposta foi a de que, apesar de estar assistindo, não havia interesse maior com relação ao negócio, e que por mera coincidência havia sintonizado aquele canal.

É desolador, outra bigorna na cabeça, a sensação de “entrão” e de “quem mandou dar bom dia a cavalo”. Na função profissional, contornaria sem maiores prejuízos o bate-papo, mas quando se trata de um comentário totalmente sem propósito comercial a transformação kafkiana – aqui imagino um inseto e também um avestruz – e a procura de um buraco para enfiar a cabeça vêm à tona. Não respondi, mas em poucos minutos: “Hei, você é redator? Nossa eu também já fui, hj sou consultor em agronegócio...”. “Vi no perfil do seu blog que você já trabalhou na área também”.

Dali, emendamos outras DMs, ele disse morar em Mato Grosso, com a esposa e o filho, e trabalhar com cana-de-açúcar. Dizia estar maravilhado com o Twitter, que não imaginava existir uma ferramenta tão interessante. Então, perguntou-me tudo: o que eram RTs, hashtags, os replys, aplicativos e outras particularidades no uso do micro-blogging. Expliquei cada coisa com paciência, salientei didaticamente a importância de transmitir esses conhecimentos a outras pessoas e concordei que o Twitter era uma ferramenta muito importante.

Aquele dia terminaria ainda com muitas discussões sobre o agronegócio – apesar de não estar empolgado em palavrear sobre o tema –, com outras dicas sobre o Twitter e com um saudoso boa noite. #inteh.

No dia seguinte, já sentia-me bem. Dormi tranqüilo, levantei disposto e com o corpo demonstrando todos os sinais de vida. Nem mal entrei no Twitter. “Ei, amigo, bom dia! Seja feliz hj!”. Lá estava @netopw a me cumprimentar. Atarefado, dei continuidade ao trabalho na rede, acelerando o ritmo lento impresso recentemente. Tratei de colocar as coisas para andar. Nem me concentrei em questões pessoais no Twitter, ou até mesmo por e-mail e telefone. Estava tentando organizar dados e reflexões. 10h30 clico nas DMs. “Tomara que esteja tudo bem, se vc n viu me recado, saúde!”. Nesses momentos nos pegamos a falar com os céus. É a presunção de que problemas estão a pipocar. 11h30, outra DM. Ao meio-dia, outra. Então, disse que estava tudo bem, e desejei-lhe também um dia de primeira qualidade. Em resposta, 3 DMs no meu Twitter. Seria, não resta dúvida, um fato a aporrinhar ao longo daquela tarde. Acontece que os dois dias que sucederam se tornaram uma verdadeira invasão de privacidade com bom-dias, boa-tardes, boa-noites, isso, aquilos, e mais não sei o quê.

Como estava numa fase mais dedicada à compilação dos dados do que de investigação, fui deixando o Twitter por alguns momentos, enquanto @netopw não parava de perguntar onde eu estava, para eu proferir a minha opinião sobre isso ou aquilo, ou clicar nesse ou aquele link sobre redação publicitária. Então a única coisa que me veio à cabeça foi inventar que estava doente e que ficaria alguns dias fora do Twitter, pois uma gripe regressiva havia me acometido. Foi pior. Ele me encheu de DMs, perguntando o que tinha acontecido, ou questionando se estava tudo bem comigo.

Deixo o Twitter, e consequentemente @netopw, de lado e vou resolver meus problemas. Depois das atividades de ordem offline, abro meu Gmail. E quem está lá? @netopw. E a seguinte mensagem:

Desculpe-me por te mandar esse e-mail, eu precisava muito te encaminhar essas palavras.

Como te falei moro aqui em Mato Grosso, tenho uma família linda, um emprego respeitável, mas vivo infeliz todos os dias. Tenho poucos momentos de alegria. Um deles é quando estou no Twitter. Acredite, aquele passarinho branco, no fundo azul, mudou a minha vida. Hoje, sou outra pessoa. Conheço outros povos, outras culturas, que antes mesmo com toda a abrangência da internet eu me sentia restringido, inseguro. Veja você, meu amigão. Onde conheceria uma pessoa assim, diferente, interessante? Eu li no seu perfil do Blogger que você estudou filosofia. Ah! Os filósofos são pessoas sensíveis, você sabe do que eu estou falando. Aliás, por isso, resolvi escrever para você. Desde o dia que eu te vi no Twitter não consigo ficar sem te mandar uma mensagem, acredite não existe “segundas intenções”. É coisa de amizade mesmo, você entende, né? Aqui no Mato Grosso os homens são todos brutos, sem educação, sem cultura, são raros aqueles com nível intelectual para uma discussão apurada. E toda vez que você me responde a minha mente enche de alegria só de ver suas palavras sábias e bonitas. Que pena você não trabalhar mais no agronegócio, formaríamos uma ótima equipe. E você? Como é sua família? Você se dá bem com sua mulher, ou ela é igual a todas as outras, só sabem reclamar que a gente assiste futebol haha. Seu time é o Fluminense, aiaiai, nem bem começamos a nossa amizade e já temos o que discordar! Eu sou Flamengo, acredita? Morei no Rio quando era criança. Você tem alguma ligação com lá? Por coincidência a minha mulher é carioca, mas não tem nada a ver com eles. É branca e não gosta de praia... É por isso que eu digo, eu queria ser Garoto do Rio! Eu vi no Orkut da sua mulher que vocês também são pé-na-areia. Ah, inclusive, depois me add lá, não consegui te add por que você bloqueou seu Orkut. Eu também fiz isso com o meu. Agora, só amigos. E o cachorrinho que vocês tiveram que doar, ai... cortou meu coração. Me desculpa a liberdade, mas sua mulher tem cara de brava... Escuta um conselho de amigo, não se preocupe, você sabe que existem diversas maneiras de se divertir, sem comprometer a família. Além disso, eu não sei se você já leu, mas eu queria te indicar um livro bem legal. “Casais inteligentes enriquecem juntos”. É ótimo, minha esposa comprou e nem viu, é lógico. Não adianta, não serve pra ela. Mas leia é bem legal, porque provavelmente sua mulher também não vai ler. Tem muita a ver com a internet. E, na minha opinião, “Casal” é só uma questão de semântica, poderia ser muito bem, “parceiros”, “amigos”, “'sócios”... Leia com essa ótica e veja se não é uma boa filosofia! Olha, espero com muito carinho o seu e-mail de resposta, pois agora podemos nos falar por aqui também, não é? Mas, pelo amor de Deus, não deixe o Twitter, hein?

Te espero lá (e o e-mail também),

Tchau,

do seu amigão, @netopw


#denunciarspam #unfollow #block

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