quinta-feira, 9 de abril de 2009

Capítulo 7

A Hora do Planeta

Ela – outra, não a doce garota – foi uma das maiores incentivadoras da Hora do Planeta, uma iniciativa da WWF, para (i) mobilizar o mundo quanto ao uso consciente de energia. Virou uma febre, não se falou noutra cousa. No migre.me, site compactador de urls, milhares e milhares de cliques num único link sobre o tema, e mais de 40 ou 50 retwitts. Na caixa com nuvem de tags no canto superior direito da página, HORA DO PLANETA esmagava as demais palavras-chave.

Uma euforia transloucada que teve início duas semanas antes. Desde então, esse assunto viralizou pela Twittosfera. Ideias mil surgiram: desligar a luz do monitor, dos botões do teclado, do mouse, trocar o fundo branco de páginas como a do Google por backgrounds totalmente escuros. Houve contagem regressiva, divulgação de @militantes e um engajamento de fazer inveja à Woodstock – aquele lá dos anos 60, é óbvio. #pazeamor.

Questionamentos também colocaram-se adiante. @Ricoinfierno garantiu: “Eu sou a favor da hora do sexo, se o mundo inteiro estiver transando ninguém vai conseguir foder com o planeta”. 6:53 PM Mar 28th from web. Outro argumentou que apoiava “a Hora do Planet, do Planet Hemp”. O Cardoso, já conhecido na blogosfera com seu Contraditorium, publicou um post memorável. Em poucas linhas alegou que o impacto que “o liga e desliga” do referido movimento poderia causar à rede elétrica era muito mais prejudicial do que benéfico tal qual se propunha.

A crítica rendeu mais de 50 comentários em uma semana, sustentados pelo elogio ao vídeo de George Carlin, linkado no post, e à nova gama de interpretações da teoria da evolução. Uma negativa às crenças divinas e ao gesto de abraçar árvores.

Além deles, muitos outros contrários à proposta eco-urbanista mantiveram-se na rede, com computadores e todo tipo de equipamento ligado durante o período de vigília: das 20h30 às 21h30, de sábado (28/03/2008). Principalmente, aqueles cujo o time disputava as últimas partidas classificatórias para as quartas de final do campeonato estadual. No entanto, por mais que as metrópoles desligassem aqui e acolá as luzes de uma ponte, de um monumento ou do Cristo Redentor, as grandes cidades permaneceram iluminadas, reluzentes como nunca, cintilantes e de um brilho tão sutil como são as luzes sobre o efeito da brisa noturna de março.

E não foi só as grandes cidades a negar ao clamor ambiental da organização em prol de um mundo melhor. O marido dela também não entendeu. Ela, como disse antes, foi a maior incentivadora da mobilização conscientizadora. Aqueles tweets mais clicados eram justamente os dela. Pra lá de mil. Seu histórico anterior no micro-blogging a coloca como uma importante diretora de planejamento numa das maiores multinacionais instaladas no Brasil. Sua função é administrativa, mas sua formação é em Oceanografia. Ela tem muitos contatos. Conversa profissionalmente, é altamente influente e se você pretende saber o que é um Linkedin exemplar acesse o dela. É magnífico o seu currículo: passagem pelas melhores escolas de graduação no exterior, especialização e phD também em terras além-mar, cargo invejado, os melhores comentários e uma posição sem igual como formadora de opinião.

A receita é perfeita para se obter sucesso numa rede social. Com ela não foi diferente. Apesar de toda a pompa ética calcada na independência de suas opiniões e decisões frente a empresa que dirige, não abriu mão de aparecer em quase todas as reportagens sobre o assunto denominado “a febre do Twitter”. Só não afirmo que ela esteve em todas as matérias, entrevistas e notas, pois deixou as mídias de menor status para a ralé. Veja, IstoÉ, Uol, Estadão, Folha, era ela quem estava lá. Explicando o que deveria ser feito, ou não, naquela plataforma. Pra ela 1000 followers não foram suficientes, eram necessários mais de 5000 ou o dobro, quem sabe. Eu fui um deles, mas quando apertei o botão follow eram apenas pouco mais de 700. O que a exposição na grande imprensa – a mesma tão criticada pela geração Twitter – não faz para a popularidade de um perfil no micro-blogging.

Essa contradição “sou a maior, quem determina o que deve ser feito e fale na minha língua ou eu te isolo”, foi o que me fez continuar seguindo-a. Isso me fascina, o poder de concatenar diversas linhas de raciocínio e extrair delas, por mais extenuantes que sejam, um fio condutor de comportamento, atitudes e ideologias. Esses são os profissionais que comandam as grandes corporações que, por sua vez, são as responsáveis por uma série de coisas que implicam diretamente em nossas vidas #quemeda.

No galgar desse ímpeto habilidoso que ela ingressou na sexta-feira, um dia antes da Hora do Planeta, a twittar desesperadamente pela proposta ecológica. Eu, que em vários momentos fui criticado pelas cabeças do Twitter por um ou outro descaminho, não consegui encontrar exemplo mais fatídico do que esse turbilhão de updates em prol da tal Hora. Pensei duas vezes em bloqueá-la, não mais segui-la, pois aquilo realmente passou a me irritar. Antes de mais nada, esclarecer que nada houve de particular é indispensável. A de se complementar os replies de terceiros para ela, com mensagens de apoio, RTs e até menções emocionadas.

E as hashtags... eis as hashtags que ela, e sua gangue, pulverizava: #wwf, #lightsoff, #abracaarvore, #blackday, #loveearth, #enviroment, #oplanetaehnosso, #ahoraehagora, #salveaterra, #hrdaterra, #vocepode, #sospassarinho e #horadoplaneta.

No sábado, a emblemática data do ocorrido, não foi diferente. Acordei cedo, mil coisas para fazer, mas só foi possível conectar-me ao Twitter por volta das 11hs. Fui checar suas atualizações e não deu outra, ela estava desde às 7hs da manhã twittando sobre a Hora do Planeta. E dá-lhe migre.me. Resolvi que, daquele momento em diante, ou melhor ao longo do sábado, não iria mais olhar as atualizações dela.

Durante a tal Hora, como também já relatei, tudo continuou na mesma salvo uma desligada aqui outra acolá. Mas uma mensagem dela me chamou a atenção.

Eram 20h50. “Quarto arrumado, perfumes, meu vestido provocante”. “Meu marido entra, tropeça e cai com a vela”. #horadoplaneta. Não tardou 10 minutos. “O fogo alastrou nos potinhos de perfume no chão”. “Pegou os véus, chamuscou meu vestido... :(” #horadokapeta #salvemaspererecas.

Em seguida, seus relatos não foram os melhores. O marido lhe chamou a atenção, saiu aos berros até o fundo da casa e mostrou diversas janelas acessas. Disse que, naquele horário – estavam bem no auge da mobilização – mas que poucos tinham a aderido a tamanha besteira. Só ela havia se dedicado com tanto afinco pela causa supra-ecológica.

#grandesabadodebosta. Com essa hashtag, ela encerrou suas atualizações aquele dia. Por mais que ela tenha se dado mal, e arrumado uma enorme dor de cabeça para a sua vida conjugal, o Twitter revelou-lhe, e a mim também, algo que às vezes nos deixamos levar por esquecidos: somos seres humanos, racionais, cheios de sentimentos, de erros e defeitos, iguais entre si e repleto de diferenças apenas na forma como manifestamos essas características.

A falta de teto pode ser tanto a escassez de moradia, quanto o lugar privilegiado na sala vip para observar o céu de brigadeiro. Ainda tento refazer as contas na calculadora para saber como foi possível que ela twittasse durante as ocorrências, tudo indica ter sido aos prantos no banheiro.

Resolvi continuar seguindo-a. Conclui que muito mais do que uma profissional arrogante, metida à popular e desprovida de conteúdo de qualidade, ela era uma grande atriz. Sua vida, ou melhor, suas twittadas são uma novela. Agora só me interessa saber qual será o próximo capítulo.

Ah... ia me esquecendo, talvez um dia eu avise pra ela que toda novela tem fim, por maior audiência que o folhetim arraste. Talvez, não. Deixe apenas de segui-la. Contudo, devo agradecê-la, e muito, por uma lembrança que provavelmente não sairá mais da minha cabeça: a Hora do Planeta. Se tem alguém que realmente tem algo a contar, que sofreu uma interferência direta na própria vida pela WWF e que a mobilização fez sentido e a maior diferença, esse alguém foi ela. Mesmo que, ao consultar seus tweets, seja nítido que não queira saber mais de tocar nesse assunto. Pagou de romance da RedeTV. #uglybetty.

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