quinta-feira, 9 de abril de 2009

Capítulo 8

Fakenomenal

Com o tempo não é que eu tivesse perdido o entusiasmo com a doce garota, eu me sentia muito inseguro em contatá-la. Refleti bastante. O Twitter tinha me levado a altos e baixos, sendo ela a mola propulsora, ou pelo menos a representação máxima desse impulso, achei melhor não experimentá-la mais. Não queria nada com ela, não nasceria dali um romance apologético e apesar de ter sido ela a musa inspiradora em minha adentrada ao universo das baleias suspensas por passarinhos, eu via seus tweets agora com outros olhos. Já não eram mais aqueles globos oculares trincados, vermelhos e carnívoros de um velho ancião mirando o comportamento faceiro de sua Lolita.

Pensei que ela pudesse se transformar num @netopw, e infernizar a minha vida, depois estragar meu casamento, utilizando como arma um mísero gracejo que eu haveria imensa chance de encaminhar via DMs.

Contudo, faltava tão pouco tempo para acabar o projeto, logo não veria mais aquela doce garotinha – digo isso, mas se tratava de uma mulher, segundo ela, de 29 anos. Filosofar sobre a participação no Twitter, no entanto, foi mais forte do que qualquer outra obstinação. Sacudiu os meus neurônios. Correr atrás dela, sem o gancho profissional que me faz permanecer contínuo no micro-blogging, seria impensável, pois acarretaria em uma mega-exposição de minha parte.

O problema seria vê-la. Enquanto estou sign out, tudo bem, nem me passa mais pela cabeça rememorar aquele que um dia foi o mais precioso avatar que eu já tive a oportunidade de admirar. E quando eu a visse? Será que teria forças para não cair em profunda recaída? Sim, porque, é isso que acontece após nos dedicarmos de corpo e alma a uma interação que não nos faz mais feliz, mas que nos consome de vontade e tentação. Só de falar nesse assunto, minhas mãos ficavam trêmulas, os pés gelavam e as pernas sacudiam sem parar. Por isso, procurava esquecê-la. Ultimamente, me comuniquei mais no Twitter com pessoas que não eram do seu círculo (seguidos e seguidores), já evitava um contato.

Até mesmo porque com freqüência surgiam uns tweets dela que pareciam ser pra mim. Há poucos dias, resolvi blipar uma música: Come on Eillen, do Dexy's Midnight Runners. Em 2 minutos, ela blipou: Killing Moon, do Echo and Bunnymen. Fui no migre.me e colei uma url para um link de post sobre o app iList para iPhone e iPod Touch; na seqüência, ela manda um sobre o app do Skype. Então, voltei ao Blip.fm e fui de Eliana Pittman; em 3 minutos, ela blipa uma canção da Céu. Mando um link com resenha sobre uma nova edição dos livros de Borges; ela some (esse argentino é um lazarento mesmo) #aleph. Não podia ser, eu estava paranóico. Convicto de que aqueles tweets eram para mim, de que havia alguém olhando pelo buraco da fechadura.

Esse ciclo de coincidências me levou à loucura. Ela se ausenta, eu perco o entusiasmo, me vejo curado. Ela volta, parece conversar comigo, mexe com minhas fissuras e vai embora. Não minto: pensei em contatar o psicanalista que atendeu um ex-blogueiro amigo meu. Na época, desempregado, com 40 anos, ele perdeu espaço no mercado de trabalho. Em todos os lugares, era cobrado para ter um blog, estar no MSN e abrir uma página no Orkut. Apesar de ser uma pessoa culta, estudou na USP, e de boa formação, fez Miami AdSchool (ESPM), não conseguia adaptar-se ao computador. Crítico de cinema e roteirista, sentia enorme prazer em executar diariamente o seu balé datilográfico naquela antiga e enferrujada máquina Olivetti. No entanto, o tempo passava e ele não arranjava emprego devido à sua exclusão digital. O aperto no orçamento o levou a usar o MSN para comunicar-se com sua esposa. Ao tomar conhecimento do Orkut dela, ficou com ciúmes e abriu o seu. Ela também tinha uma conta no Google, então, ele fez a sua e no gerenciamento da mesma conheceu o Blogger.

Não demorou muito ele se transformou no maior geek do pedaço. Estudou pela web: programação (html, css...), Photoshop e Google Analytics. Não se viu mais livre da rede mundial dos computadores. Se transformou em um dos maiores blogueiros do país, sobrevivendo apenas com os rendimentos da publicidade online. A volta por cima só não podia ser considerada exemplar porque meu amigo era só pele e osso nos últimos tempos. Não conversava sobre outra coisa, só se envolvia com pessoas do meio e até amizade fiel com o submundo (hackers) ele mantinha. É o caso mais esdrúxulo que conheço sobre o assunto, tamanho o grau de dependência do adicto. O especialista realizou o seguinte tratamento: meu amigo continuou trancado dentro do quarto e o notebook dele, apesar de conectado à internet, só se comunicava – a partir das plataformas de mensagens – com três Ips selecionados e que eram de três computadores instalados em outros cômodos da própria casa do enfermo, onde estavam a mulher dele e mais duas enfermeiras, agora nerds, operando as máquinas.

As três mulheres usavam perfis #fakes no contato com meu amigo e os diálogos seguiam as orientações do psicanalista. Vale ressaltar que ele era ciente de tudo o que estava acontecendo. Quando se conscientizou a respeito da dimensão de futilidade que sua vida havia se transformado, começou a apresentar melhores resultados. No entanto, os méritos do psicanalista não estão no tratamento dado ao meu amigo, e sim na cura da sua esposa, também muito amiga da minha mulher. Essa é que deu trabalho #ninja. Me vi na pele dela, será que eu necessitava visitar o consultório também?

Enfim, de qualquer maneira foi só me lembrar da garota, voltei a twittar.

Querendo e não querendo encontrá-la. Embora o impasse carcomesse a minha paciência, tive que abdicar do delírio por alguns minutos tendo em vista a bagunça que estava o meu Twitter. A hora da faxina não dá trégua. Sigo, bloqueio, respondo. Os contatos também não mudam: perfis institucionais, promocionais e de serviços, os gringos além-super-entendidos em SEO ou analytics, wares (masculinos e femininos), um #nadaver (digamos um estudante cristão de Tonga), alguns (poucos) brasileiros e as celebridades.

No caso dessa última categoria, por exemplo, não sei como classificar os @beastieboys. Exato, os três judeus do hip-hop nova-iorquino. Eles são uma celebridade no mundo da música, mas estão lá twittando, agradecendo as RTs e divulgando seus mais recentes remixes – Paul's Boutique e Check Your Head. Você segue a banda e logo eles estão te seguindo. Não descarto a ação de um assessor, apesar do perfil da trupe ter sido confirmado como verdadeiro. Uma premissa é infalível, tem que se colocar um pé atrás no Twitter com relação aos perfis, existem muitos, mesmo que legais, essencialmente #fakes.

@beastieboys, #fake ou não, suscitou-me aquela brisa que eu buscava novamente com o micro-blogging. Andava muito cabisbaixo no lindo jardim azul, a doce garota era uma dose muito forte, com a resistência baixa uma injeção de vitaminas caiu muito bem. Enquanto preparava para declarar por encerrada a viagem à cozinha do mainstream da música indie, um seguidor ilustre concedeu-me o prazer de sua disputadíssima atenção. A personalidade mais extraordinária da esfera digital, o paladino das telenovelas mundiais, o prêmio máximo #YouPix 2009, o onisciente, incomparável e insubstituível: @vitorfasano. O cara é foda. Observei que ele não segue todos os seus seguidores e que por isso talvez eu fosse um contato importante – mais uma vez alguém de destaque tinha se interessado pelo meu perfil. Conversei com ele quase todos os dias.

Vitor foi meu amigo, compartilhou comigo seus momentos de intimidades, deixou clara a sua amizade com @oscarmagrini e soube me ouvir. A sua finesse não permitia que ele me enviasse um reply, mas não me importava, pelo contrário, não deixaria de compreender sua atribulada agenda de atividades. E sei que ele não se sentia incomodado com as minhas mensagens, afinal de contas nunca se colocou contrário à minha pessoa, nem repreendeu-me com um #unfollow, do qual ele é um grande adepto e divulgador.

Passei a estabelecer um diálogo freqüente com o Vitão – alcunha que eu de forma camarada estabeleci, tendo em vista o rumo de nossa amizade, ao proferidor de frases “valorizadamente” inócuas. Ele lança uma divagação, eu respondo de prontidão. Ao dar atenção para o Vitão, ou para os seus tweets ocasionais, raros como um rubi Carmen Lúcia, percebi um mundo fabuloso e cheio de criatividade e entretenimento. Não é preciso saber quem está do outro lado, o que está em jogo não é a materialidade do ator global, é o conteúdo. O desdobrar-se do ente #seretempo.

Eu sei que ele é fake e é isso que me incita nessa interação. Imaginar quem está lá do outro lado, essa pessoa que acompanha a vida real do ator, através de revistas de fofocas e de promoters, e faz um roteiro fake em cima dessa realidade, atualizando-a diariamente de acordo com as ocorrências reais. O @vitorfasano, não o @vitorfasano texto do Twitter, mas aquele (ou aqueles) que está concretizando a existência de um ser meramente virtual, também é ser humano com todas as características medianas que temos eu e você.

O @vitorfasano me faz crer que existe uma explicação prática no mundo real para o Dasein heideggeriano, afinal de contas foi isso que eu entendi quando aquele alemão lá de Messkirch se exprimiu através de vocábulos e ideias arranca-toco para explicar a fenomenologia do ser. Esse ser-aí, essa transcendência em possibilidades não pré-determinadas. Não estava localizado dentro do ator global a existência de @vitorfasano, o Twitter o virtualizou e o constrói e destrói todos os dias. Constrói ao reproduzir comportamentos que são exatamente os do Fasano real – às vezes chega a ser mais verdadeiro. Destrói, em contrapartida, extraindo tamanha audiência de sua banalização.

Toda vez que mando um reply para o Vitão, eu também estou destruindo e banalizando o Vitor real. No entanto, durante um trabalho exaustivo, de uma tarde ainda quente, já no Outono, precisando de ajuda para me libertar da fixação indiscriminada pela doce garota, as máximas de @vitorfasano podem ser traduzidas como uma passagem de ida e volta para assistir ao Monthy Phyton, em Amsterdã, com os discípulos de Andy Kaufman como tripulantes do avião. #eurraxo.

Esse espetáculo me é tão necessário que fiz, inclusive, um mural com suas frases no meu escritório, reproduzidas aqui a integra e sem qualquer correção ou edição:

“É um dos twitters mais sofisticados da web”, Pedro Doria. SENSATO! ABS! VF
5:25 PM Mar 9th from web

Geração (Y)? Geração (X)? PASSADO. Quero falar sobre a Geração (V)F . WEB 5.0 Estrelas. ABS VF
12:27 PM Mar 10th from web

Esta semana estava no Yoga com o Gazolla, e falavamos muito sobre a importancia do "olho no espelho", de ter certeza que estou sendo sincero
6:50 PM Mar 11th from web

e honesto em minhas atitudes...
6:51 PM Mar 11th from web

Mas as vezes me distraio, pois tenho covinhas lindas e isso é mais um charme que posso usar a meu favor. ABS VF
6:51 PM Mar 11th from web

Não tenho problemas em aguardar um bom TAXI, quando necessário. Me incomoda um "principe" vir ao RJ e atrapalhar minha agenda. ABS VF
11:03 AM Mar 13th from web

Hora de organizar a mudança. Você sai do Leblon, mas o Leblon nunca sairá de você. Destino? A conhecida fronteira entre o bom e o melhor...
12:12 PM Mar 18th from web

Welcome Ipanema! ABS VF
12:13 PM Mar 18th from web

Que história é essa! Alex Atala parou de fazer Foie Gras no restaurante dele? Vai levar um unfollow ... ABS VF
10:08 AM Mar 19th from web

Segunda-feira? Lançarei mão do meu sapatenis predileto com textura "jacarandá da amazonia" e camisa ZARA. ABS VF
11:50 AM Mar 23rd from web

Censurar minhas palavras? talvez... Mas jamais poderão censurar meu bom gosto. Berço é berço... VF
5:38 PM Mar 23rd from web

#business Entrei no TAXI e pedi: "Leblon por favor..." . Só agora percebi que estou em SP... rs. VF * Sent from my iPhone
11:09 AM Mar 24th from web

Poucas coisas no mundo são tão prazeirosas quanto cheirar a rolha depois de abrir um bom vinho. #prontofalei VF
3:19 PM Mar 25th from web

#horadoplaneta Luz de velas e tochas de bambu premium em Paraty. A natureza completa com sua música. ABS VF * Sent from my iPhone
12:26 AM Mar 29th from web

Mas nem tudo é um mar de rosas. O Twitter não perdoa. A sagacidade em se tornar popular atrai, em contrapartida, coisas como o @ticosntacruz. A única utilidade que o #fake do músico carioca tem de bom é ser um verdadeiro contraponto ao @vitorfasano. O que abunda de fineza lá, aqui padece em piadinhas sem graça e através de comentários de extremo mal-gosto. Se o Vitão é a expressão materializada do existencialismo de Heiddeger, @ticosntacruz é a encarnação #fake da Hannah Arendt, quando escrevia “As Origens do Totalitarismo”. Sigo, tenho que seguir, não posso nem bloquear, é meu trabalho. Contudo, nessas twittadas, em que o #fake quer fazer graça com protestos, eu respondi:

@ticosntacruz Que tal um protesto na Tijuca contra o @vitorfasano? Agora, vou sugerir pro Vitão um protesto na Barra contra o @ticosntacruz
11:47 AM Mar 26th from web in reply to ticosntacruz

Falando em @vitorfasano e Tico Santa Cruz, agora fiquei cabreiro. Minha mulher acabou de me ligar, colocou nosso nome na lista no StudioSP, vamos assistir ao Heroes – em se tratando de transgenia, Bowie. Estou a repensar muito todo o meu trabalho mais uma vez. Inclusive, a garota. Será que ela não é um fake? #tostines.

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